01 outubro 2012

Por Ewerton Mera




Ao Revés do Papel


O palco com o pano aberto e uma iluminação simples. Com o teatro lotado e um silêncio ansioso que esperava pelo início do espetáculo, o Grupo Preto no Branco apresentou sua mais nova peça para um público que em pouco tempo sentiu-se confortável e aderiu aos encantos dos três únicos atores em cena. De texto que permeava tanto o diálogo quanto a representação por gestos e interpretações inspiradas, Ao Revés do Papel, com seus curtos 45 minutos, prende a atenção dos espectadores e cumpre com vários papéis que a dramatização pode suscitar: o despertar através de críticas sutis, o riso a partir de piadas com um bom timing e alguns outros.
Protagonizado por três jovens atores, Ao Revés do Papel conta a história de três mendigos que vagam sem destino pela vida e param, diante do público curioso, para contar historietas. Seria entediante se o contar-histórias fosse executado de maneira verborrágica, simplória, apenas na fala. Mas não, os três retirantes interpretados por Bruno Garbuio, Carol Garbuio e Nádia Stevanato dão vida aos contos: enquanto um fica sentado, encarando a plateia e narrando o episódio, os outros dois o interpretam, de maneira tão entregue e apaixonada que em pouco tempo os espectadores esquecem que tudo não passa de ficção.
Um ponto interessante da apresentação é o uso que esta faz de outros recursos que não demandam esforços tecnológicos. A trilha sonora, por exemplo, é realizada pelos próprios atores, seja com suas vozes ou com pequenos instrumentos, como uma flauta ou um pandeiro. No início e no fim, quando a iluminação teatral é baixa e misteriosa, uma das atrizes mantém um velho lampião aceso, ambientando a peça e fazendo correlatos com os outros apetrechos cenográficos (o figurino também remete a vestes antigas e muito usadas).
O texto, escrito pelo Preto no Branco e que também teve a colaboração de André Rocha, utiliza muitas variantes linguísticas que permeiam desde um nobre diálogo (onde o “tu” e a concordância verbal estão presentes) até um mísero e cansado “filho-da-puta!”, arrancando risos de quem assiste desde o primeiro momento de apresentação. As piadas, bem dispostas e bem treinadas pelos atores, estão salpicadas ao longo do roteiro, aproveitando deixas para fazer ácidas críticas sociais ou simplesmente mexendo com velhas erudições já desgastadas (a piada com o já batido carpe diem é impagável). Já a direção do também ator Fernando Cruz desponta durante todo o espetáculo: seus atores estão seguros, tranquilos, com o texto na ponta da língua e com a representação nas veias.
Ao fim, fica um acre sabor de querer mais. O Grupo despede-se com uma cena singela e silenciosa, deixando o público sozinho com o cenário simples, a iluminação simples mas com um embasado, crítico e gostosamente engraçado texto na cabeça. Ao Revés do Papel cumpre com o seu título: conta histórias que podem ser moldadas, que não estão presas e concretas em um papel. Papel, aliás, que é comido (literalmente!) por todos os personagens, tentando saciar suas enormes gulas por histórias. Assim como seu público.
Ao Revés do Papel. Adulto, 45  minutos. Texto: Grupo Preto no Branco e André Rocha. Direção: Fernando Cruz.




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