25 fevereiro 2015

por Fabiano Lodi

Desde que começamos o processo da "A Sapateira Prodigiosa", em janeiro de 2014, estamos buscando uma qualidade vocal e de presença cênica que seja também um meio para o aprimoramento técnico-artístico do Grupo Preto no Branco - o que independe de qualquer montagem. Para alcançar isso, propus desde o início dos encontros uma investigação sobre três diferentes técnicas teatrais. 

Durante os cinco dias de carnaval de 2015, do sábado à quarta-feira de cinzas, parte do PB esteve em São Paulo para uma atividade intensiva dedicada ao Método Suzuki. As demais técnicas que estamos trabalhamos - Viewpoints e Composição - já vem sendo exploradas continuamente no processo desde o início. Não havíamos tido a oportunidade de ir fundo na técnica de Suzuki até então.

Fomos acolhidos no ARARA RESIDÊNCIA ARTÍSTICA, na Vila Madalena, que possui estrutura impecável e energia inspiradora. Ficamos lá das 10h às 17h todos os 05 dias de folia, com uma hora de almoço. É muito difícil falar sobre essa experiência, mas os relatos dos atores e atrizes, e do diretor do PB, Fernando Cruz, dão conta da reverberação que o envolvimento proporcionado pelo trabalho nesses dias causou. E continua causando...

Sendo bem simplista, posso dizer que o Método Suzuki é um conjunto de movimentos codificados, chamados de Disciplinas de Atuação, criados pelo diretor teatral japonês Tadashi Suzuki junto com os atores que formam sua companhia, a SCOT (Suzuki Company of Toga). O objetivo é fazer com que os atores desenvolvam uma capacidade de controlar o fluxo da respiração e o movimento do centro de gravidade de seus corpos no espaço da atuação.

Desta forma, espera-se um ator mais envolvido com sua sensibilidade profunda, concentrado no momento presente, engajado no universo ficcional da obra e na relação cênica estabelecida com outros elementos. Além disso, visa despertar no ator um vigoroso estado de consciência com seu próprio corpo e com as ações vocais. 

Voz aqui entendida como um acontecimento físico, que emana das cavidades do corpo, que ressoa no corpo por meio de uma clara articulação fonética. Voz como resultante de um estado corporal. "Para ser ouvido no teatro, seu corpo precisa ser visto" - diz Suzuki. A voz não sai pela boca como um produto que se dirige ao público. A voz acontece no corpo com a dimensão necessária para MOBILIZAR as sensibilidades do público. Essa é a nossa busca.

O Método Suzuki reúne muitos elementos da arte oriental, em especial dos teatros japoneses Noh e Kabuki, de danças tradicionais do oriente e ocidente e artes marciais. Me dedico ao estudo do Método Suzuki há mais de dez anos, e venho me inspirando nesta técnica para criar obras teatrais como diretor. Entre agosto e setembro de 2014, estive no Japão e pude aprimorar meu desempenho técnico diretamente com a SCOT Company e Tadashi Suzuki.

Foi sob o calor desta vivência recente, bem como de tudo que o processo da Sapateira nos concedeu, que nos reunimos para vasculhar o Método Suzuki. Cada dia de trabalho como uma velha vida nova, a mesma sempre nova oportunidade. O teatro de sempre feito como nunca antes. Sempre reinventado, a cada troca de ar na vida do palco. A mesma peça como se fosse a primeira vez. Afinal, é sempre a primeira vez. E a fé, necessária para encarar o paradoxo, encontra meios de sobreviver em técnicas como a de Tadashi Suzuki. Agora viva em nós. E nós com a responsabilidade de mantê-la viva. A cada respiração.

Ganbatte Kudasai!
Domo Arigato Gozaimashita
Dewa Ashita

24 fevereiro 2015

Experimento - por Nádia Regina




foram nos dias da Grande Festa
na montanha concretada, vi dos trilhos
o trem moderno se desmagnetizando do artifício


abriram-se duas fendas
com os golpes de meus pés
eu experimentava ser humana


O Mestre apontou o centro e seu raciocínio violentado
abaixo dele a história do mundo a ser contada
no corpo, sob o centro, raiz
sobre, pincel, e a loucura riu da minha cara


vi sapatos vazios de todas as noites
contar a maquinas, técnicas, bits e silicones
histórias das enfermidades por eles geradas
como medalhas
enquanto os corpos de carne repousam para o amanhã do tal mundo caduco


Os insultos ao primitivo se redimem
na desmilitarização de uma caminhada:
e a inundação reprimida explodem os olhos à solavancos
- todas as teorias psicologistas explicam explicam e não resolvem -


De hoje a coisa mais difícil é morar no presente


Fica a busca, motor
a gratidão, espaço
y las horas después del almuerzo em que los jóvenes estudiantes
y los animales fornican directamente
e depois, na hora sagrada cujas imagens levarão ao estádo fiel
da abertura ao novo: dois litros de suor e seu espírito não esta mais no mesmo lugar


ao invés de exigir atenção
fertiliza-se,
é preciso estar grávido de presença


Viste, Faraday, Maxwel provou que você não estava louco!
Basta encontrar as linhas de força
do animal que montou o cavalo da racionalidade e atrofiou os pés






Linhas de Campo Magnetico - Faraday – Experiência com Limalha

BLOCO do Engaja mas não cai - por Ana Garbuio

Vivencia de cinco dias em processo de amadurecimento e possível queda.
Iminente queda do passo, que em execução, não movimenta a parte superior do corpo, mas sim seu centro, o movimento que surge desse centro em expansão, a iminente queda do corpo que está porvir, do corpo em passagem, que respira suor e sensações desconhecidas.
Das perguntas que pulam do inconsciente: Como receber esses ancestrais que emergem de cada célula desse meu corpo? Esse organismo  composto por células que um dia se decompuseram. O estado entre o pó (do que viemos e ao qual voltaremos) e o compacto.  Há uma tal natureza difícil de acessar, há roupa antes da pele, os órgãos estão sintetizados para receber calorias fabricadas.
Há pensamento antes do fazer
Há madeira em suspensão antes da terra
Há teto antes do céu
Há luz artificial antes do sol
Há ar condicionado antes do vento
Há banho antes da chuva
Como acessar o indizível? e intransponível?

Uma linda e inesperada experiência, inesperada, porque como diz Fabiano Lodi, o importante é não saber. Não saber que o lugar de treino seria acolhedor, que o treino em pleno Carnaval seria executado mesmo que o samba pulsasse, ainda que levemente, pela cidade e por mim.

O caminho até a chegada era como uma grande onda, um mar de montanhas asfaltadas que vez ou outra era coberta por foliões, vez ou outra por gotas de chuva e completamente coberta pelos grafites coloridos e saudosos.

A sala branca em oposição, com corpos que pedem engajamento e em outro estado. O corpo que representa o recorte espacial mais importante para ser mostrado à audiência, e que por isso, torna esse momento da arte especial, da arte sem nome e que não precisa ser classificada. Há muito o que se conhecer, mas é através da presença física que gera gotas de água salgada saídas de todos os poros,  gotas sudoríparas e lacrimais, que se pode ter uma breve noção do que um treino contínuo e bem executado pode gerar.

Pé-com-pé-raiz-de-pé - por Bruno Garbuio

8h30 toca o despertador, café da manhã só dali três estações. Vila Madalena, reduto dos boêmios, da nobreza paulistana, das ruas líricas e da Tim Maia tomada por cores e pessoas que durante o carnaval caminhavam pelas descidas enquanto subíamos as ladeiras. Num canto das Araras, lugar de poesia e criação, a gente começou com nossos pés no chão logo no primeiro dia da maior festa do planeta onde a ordem é: pula saí do chão. Na contramão das pessoas dos caminhos e na contramão dos foliões, que fizemos e tivemos somente nas noites, fomos sendo apresentados ao novo, ao difícil. 
Segura o centro, pé raiz, pé com pé, em cima só relaxa, em cima é expressão! CALMA, eu não sei fazer isso não. 
Calma! concentração, esse tal de trazer o centro. Lembrei duma coisa logo no primeiro momento, há uma semana machuquei o pé, hora de enfatizar isso, vamos lá: verbalmente vou projetar minhas desculpas de que talvez tenha dificuldades com as Lições. É muito pé, é muito forte. Essa raiz é mais bruta que ginseng. A resposta foi precisa: Segunda-feira, Bruno, me fale desse pé - disse Lodi. 
Que sábado amargo. 
E durante uma semana as soluções foram: arnica daqui, arnica de lá, gelo, massagem com gel de Santa Maria, sapato que não vira o pé e depois recebo: daqui dois dias me fale sobre seu pé. Doeu no primeiro dia, doeu no segundo, depois num me lembro mais... Mas que porra de bruxaria é essa? Deve ser circulação!
Ou talvez não...
Eu não sei! Era forte. As Lições tiravam coisas e exigiam outras que nunca tinha percebido. É pé. é raiz. É sagrado o movimento, o silêncio, a dor, mas sobretudo a busca. E é assustador! Não é expressado oralmente, mas está tudo ali. Haja corpo! Haja percepção de toda a natureza. Essa filosofia de se fazer teatro, não aparenta vir carregada de axiomas, não parece querer dar uma definição... Apenas vem, com muito respeito
Sacralizando o Ato. Tornando nosso corpo grandioso, com todas as possibilidades e os choros depois delas...
Poderia finalizar esse texto dizendo muitas coisas como as descrições das Lições, de como foi ter trabalhado com cada  movimento, com cada exigência física de sustentação, mas não!
Vou apenas roubar uma frase solta no nosso CCC de terça que Cruz bem definiu: O Método Suzuki é como o plano de JK, 50 anos em 5.
Muita coisa em pouco tempo.

Relato da Fernanda Marinelli


"Ufa, lá se foram 4 dias de treinamento. E o corpo tá bom, pedindo para bater mais os pés no chão.

Ansiedade e curiosidade se misturavam na viagem rumo à terra da garoa, o treinamento foi revelador, surpreendente, emocionante e bonito. Bonito ao revelar, surpreender e emocionar.

“RESPIRA GRANDE”

Por vezes me senti numa luta, numa dança, num ritual, numa exaustão. Superar os limites do corpo e ver os companheiros de luta se superarem faz todo o sentido de estar ali.

“ENGAJA O CENTRO”

Ah, a voz! Um pequeno detalhe do corpo, o peso depositado na perna certa faz tamanha diferença ao falar que assusta até mesmo quem está falando.

“DO QUADRIL PARA CIMA NADA ACONTECE”

No fim, a sensação de dever cumprido com a vontade de se dedicar mais, aprender mais.

“NÃO PERDE A AUDIÊNCIA”

O corpo tá pedindo mais batida de pé no chão, empurrar o chão com os calcanhares, leveza do quadril para cima, precisão nos gestos e para isso, que venha mais treinamento!"

Baixa o centro - por Fernando Cruz

Uma belíssima sala numa belíssima rua na Vila Madalena foi o cenário para o treinamento proposto pelo nosso diretor convidado, Fabiano Lodi.
Durante o carnaval, dois períodos por dia. Abri o texto falando do lugar pois a recepção que senti depois de uma manhã de viagens e uma noite anterior de trabalho foi sem igual. Paz e harmonia. Uma sala preparada para realizar exercícios específicos, detalhados, ancestrais, organizados por um diretor japonês para compor uma gramática de um método que leva seu nome, Suzuki. Aprendemos alguns movimentos, nos dedicamos a eles, ali naquela sala era um grupo que treinava, que cuidava um do outro, que tentava com todas as suas forças físicas e emocionais superar o momento anterior de dificuldade. E acontecia. Outra vez, outra vez. Baixa o centro! E uma força que parece chegar de algum lugar do passado ou do antepassado te colocava em contato com a terra e com a audiência. Uma conexão viva entre as partes do seu corpo acontecia. E também havia a desconexão, a euforia, o ego exaltado, o susto, a distração. A cena desmoronava, virava processo, mas logo começava outro movimento, outra pausa, um ciclo vivo de teatro. Baixar o centro foi para mim reconectar seu corpo o tempo todo com seu próprio eixo e com a sua vitalidade pura e ancestral. Por esses e outros motivos o método se fez tão potente e importante para a trajetória artística deste processo. Quando outro movimento se iniciar, lá na frente, outro ciclo, a herança deste será contaminável e quem sabe contínua.