05 junho 2011

Estalo comentado por Carola.

No último dia 02 o Coletivo Estalo  esteve em São Carlos apresentando o espetáculo ''Marias'' no Centro Cultural da Usp. A apresentação fez parte das atividades do Tusp.


Baseado no poema ''A infanticida Marie Farrar'' de Bertolt Brecht , Marias comove e faz qualquer um se apaixonar pela bela atuação das atrizes de Piracicaba.


A integrante do PB, Ana Carolina ( Carola) esteve presente neste dia e fez uma postagem interessante no seu blog Carolinholando, confira!








A infanticida Marie Farrar

Bertold Brecht(1898-1956)

Poemas do Manual de devoção de Bertolt Brecht Tradução de Paulo César de Souza


Marie Farrar, nascida em abril, menor
De idade, raquítica, sem sinais, órfã 
Até agora sem antecedentes, afirma 
Ter matado uma criança, da seguinte maneira: 
Diz que, com dois meses de gravidez 
Visitou uma mulher num subsolo 
E recebeu, para abortar, uma injeção 
Que em nada adiantou, embora doesse. 
Os senhores, por favor, não fiquem indignados. 
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.



Ela porém, diz, não deixou de pagar 
O combinado, e passou a usar uma cinta 
E bebeu álcool, colocou pimenta dentro 
Mas só fez vomitar e expelir 
Sua barriga aumentava a olhos vistos 
E também doía, por exemplo, ao lavar pratos. 
E ela mesma, diz, ainda não terminara de crescer. 
Rezava à Virgem Maria, a esperança não perdia. 
Os senhores, por favor, não fiquem indignados 
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.



Mas as rezas foram de pouca ajuda, ao que parece. 
Havia pedido muito. 
Com o corpo já maior 
Desmaiava na Missa. Várias vezes suou 
Suor frio, ajoelhada diante do altar. 
Mas manteve seu estado em segredo 
Até a hora do nascimento. 
Havia dado certo, pois ninguém acreditava 
Que ela, tão pouco atraente, caísse em tentação. 
Mas os senhores, por favor, não fiquem indignados 
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.



Nesse dia, diz ela, de manhã cedo 
Ao lavar a escada, sentiu como se 
Lhe arranhassem as entranhas. Estremeceu. 
Conseguiu no entanto esconder a dor. 
Durante o dia, pendurando a roupa lavada 
Quebrou a cabeça pensando: percebeu angustiada 
Que iria dar à luz, sentindo então 
O coração pesado. 
Era tarde quando se retirou.
Mas os senhores, por favor, não fiquem indignados 
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.



Mas foi chamada ainda uma vez, após se deitar: 
Havia caído mais neve, ela teve que limpar. 
Isso até a meia-noite. Foi um dia longo. 
Somente de madrugada ela foi parir em paz. 
E teve, como diz, um filho homem. 
Um filho como tantos outros filhos. 
Uma mãe como as outras ela não era, porém 
E não podemos desprezá-la por isso. 
Mas os senhores, por favor, não fiquem indignados. 
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.



Vamos deixá-la então acabar 
De contar o que aconteceu ao filho (Diz que nada deseja esconder)
Para que se veja como sou eu, como e você. 
Havia acabado de se deitar, diz, quando 
Sentiu náuseas. Sozinha 
Sem saber o que viria 
Com esforço calou seus gritos. 
E os senhores, por favor, não fiquem indignados 
Pois todos precisamos de ajuda, coitados.



Com as últimas forças, diz ela 
Pois seu quarto estava muito frio 
Arrastou-se até o sanitário, e lá (já não sabe quando) deu à luz sem cerimônia 
Lá pelo nascer do sol. Agora, diz ela 
Estava inteiramente perturbada, e já com o corpo 
Meio enrijecido, mal podia segurar a criança 
Porque caía neve naquele sanitário dos serventes. 
Os senhores, por favor, não fiquem indignados 
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.



Então, entre o quarto e o sanitário diz que 
Até então não havia acontecido a criança começou 
A chorar, o que a irritou tanto, diz, que 
Com ambos os punhos, cegamente, sem parar 
Bateu nela até que se calasse, diz ela. 
Levou em seguida o corpo da criança 
Para sua cama, pelo resto da noite 
E de manhã escondeu-o na lavanderia. 
Os senhores, por favor, não fiquem indignados 
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.



Marie Farrar, nascida em abril 
Falecida na prisão de Meissen 
Mãe solteira, condenada, pode lhes mostrar 
A fragilidade de toda criatura. Vocês
Que dão à luz entre lençóis limpos 
E chamam de abençoada sua gravidez 
Não amaldiçoem os fracos e rejeitados, pois 
Se o seu pecado foi grave, o sofrimento é grande. 
Por isso lhes peço que não fiquem indignados 
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.





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